quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

*Será que o sionismo fracassou?

Por Rav Moshe Bergman

Há 61 anos, o povo judeu teve o privilégio de concretizar o que gerações anteriores não haviam conseguido. O Estado de Israel foi criado, tornando-se um fato consumado. Quando Herzl apresentou, no primeiro Congresso Sionista, a visão de um Estado judeu, suas palavras pareciam um delírio estranho. Apesar de tudo, o movimento sionista conseguiu cumprir o seu propósito. Hoje, ao voltarmos nossos olhos para 61 anos atrás, temos que examinar se o objetivo do movimento sionista foi realmente alcançado.

O Estado de Israel difere, num ponto essencial, de todos os outros países. Toda nação foi criada por pessoas que nela viviam. Ao Brasil, por exemplo, acorreram pessoas de todas as nacionalidades. Com o passar dos anos, criou-se entre elas uma cultura e língua comuns e elas se transformaram no povo brasileiro. O povo opunha-se a que um monarca estrangeiro (no caso do Brasil, o rei de Portugal) determinasse o seu modo de vida. Foi assim que o Brasil se tornou independente. O mesmo aconteceu com todos os países do mundo: as pessoas que ali viviam desejavam um governo soberano.

O Estado de Israel é diferente dos demais. Ele não se estabeleceu, foi estabelecido por pessoas que já eram cidadãos dos países em que viviam. O que havia de comum a todas elas, que se autodenominavam “judeus”? Ora, os judeus da Rússia e do Marrocos não tinham uma nação, uma língua ou uma cultura em comum.

O único elo que os unia era uma tradição religiosa ortodoxa antiga. Uma tradição “estranha”, que não foi abandonada pelos que nela acreditavam, apesar de milhares de anos de perseguições e pogroms. Ainda que suas exigências fossem mais numerosas e severas que as de outra religião, cumpriam suas normas zelosamente. Não foram feitas “retificações” e “reformas” liberais para modificá-la ou adulterá-la. Apesar de viverem entre religiões e nações distintas, estes judeus não assimilaram a religião local. Preferiram, de um modo racionalmente inexplicável (segundo a concepção laica), persistir em sua religião distinta e singular. A não ser por esta preservação obstinada da religião, não há nada que sirva de elemento de união entre os judeus do mundo.

Há cerca de 157 anos, algo estranho aconteceu com o povo judeu. Um grande grupo decidiu abandonar oficialmente a religião judaica, aquela mesma religião pela qual seus antepassados estavam dispostos a morrer e que preservava a união judaica. Estas pessoas, no entanto, tomaram uma decisão inusitada: ainda que não cumprissem os preceitos religiosos, consideravam importante manter-se judeus. Queriam identificar-se como judeus, construir escolas judaicas e ainda mais: criar um estado judeu.

Por que este interesse em preservar o Judaísmo? O que há de mal na assimilação aos habitantes dos países nos quais viviam? Qual a essência deste Judaísmo? O que há em comum entre os judeus do mundo atualmente?

Judeus laicos não têm uma resposta clara e coerente para tais questionamentos. Não obstante a falta de lógica que nisso existe, as pessoas preservaram o Judaísmo. Apesar da definição nebulosa e pouco clara do conceito “Judaísmo”, fizeram algo sem precedentes na história da humanidade. Foram, com dedicação plena, para uma terra primitiva, repleta de doenças e de guerras. Abandonaram seu trabalho e uma vida ordenada e estabeleceram novas colônias agrícolas. Lutaram com todas as suas forças e morreram pela criação do estado judeu. Até hoje nos surpreendemos e valorizamos a atitude heróica dos soldados de Tzahal.

Por que era tão importante criar um estado judeu? Qual era o objetivo do movimento sionista?
Quando Herzl falou sobre a visão de um Estado judeu, tinha diante de si dois objetivos.

1. A salvação física do povo judeu

O julgamento de Alfred Dreyfus, um judeu que foi condenado pelo simples fato de ser judeu, exerceu sobre ele grande influência. Herzl argumentava que o problema do anti-semitismo seria resolvido apenas com a criação de um estado judeu. Então, os habitantes locais não mais nos considerariam como pessoas que observam uma tradição diferente. Seríamos um povo natural, aceito com compreensão, à semelhança dos demais. O terrível Holocausto que teve lugar mais tarde, provou, aparentemente, o argumento de Herzl. Somente um estado judeu seria capaz de assegurar o bem-estar e a sobrevivência física do povo.

O próprio Herzl não podia oferecer uma explicação lógica para o fenômeno “inusitado” da não assimilação do povo judeu. Por que é preciso criar um estado, ao invés de assimilar-se às nações? Se a religião judaica carece de importância, por que é necessário preservar este povo e criar para ele uma pátria? Não seria mais simples, por exemplo, que os judeus da Itália se transformassem em italianos leais ou os judeus da Polônia, em poloneses leais, resolvendo desta forma o problema da distinção dos judeus?

2. O valor espiritual do povo judeu

Os fundadores do sionismo viram que o povo judeu possui valores morais mais elevados que os de todos os outros povos do mundo. As visões proféticas (que pregavam a preservação da religião judaica) são caracterizadas por um nível muito alto de moralidade e de preocupação com o bem-estar do próximo. O povo de Israel precisa assegurar sua existência a fim de servir de “luz para as nações”.

Devemos preservar o Judaísmo, mas somente em sua esfera moral. Esta luz será então difundida pelo mundo. Ben Gurion declarou ser este o objetivo principal do Estado de Israel. Porém, o próprio Ben Gurion não sabia explicar por que, para isso, era necessária justamente a Terra de Israel. Tal visão poderia ser igualmente concretizada em Uganda, ou num dos estados norte-americanos. Esta visão é também universal, não havendo necessidade da “Lei do Retorno”, que permite a imigração a Israel apenas para judeus. Todo aquele que compartilha desta visão moral deveria receber permissão para imigrar.

Hoje, após 61 anos, devemos examinar como o Estado de Israel se posiciona diante destas incumbências.
Será que o Estado de Israel preserva, atualmente, a sobrevivência física do povo judeu?
A realidade prática é totalmente inversa. O Estado de Israel é hoje o principal lugar em que judeus são mortos pelo simples fato de serem judeus. As notícias desoladoras que chegam de lá acrescentam novas vítimas diariamente. É justamente na Diáspora que os judeus contam com uma segurança maior. No Brasil ou nos Estados Unidos, os judeus passeiam pelos shoppings e pelo centro da cidade com uma sensação de segurança muito maior que a dos habitantes da capital de Israel.

A probabilidade de que uma bomba atômica caia, Deus o livre, sobre o Estado de Israel, vinda do Irã ou do Iraque, é muito maior, atualmente, do que a ocorrência de um novo Holocausto nos Estados Unidos.
Se a salvação física era seu propósito primordial, a visão sionista foi um fracasso retumbante. 61 anos depois da criação do Estado, a paz tão almejada sequer é vislumbrada no horizonte.

Porventura o Estado de Israel é hoje uma “luz para as nações”?

Quem lê as notícias internacionais chega a uma conclusão oposta. Apesar de sabermos que os fatos são inversos, o Estado de Israel é sempre apresentado como vilão. Aos olhos do mundo, somos assassinos de cidadãos inocentes, que lutam pela liberdade de sua pátria. A televisão brasileira, por exemplo, sempre é mais compreensiva com as posições do lado árabe. Quando participo das reuniões do Consulado de Israel, os mesmos argumentos se repetem: por que a divulgação de Israel fracassa? Não há dúvida nenhuma que, atualmente, o Estado de Israel não constitui nenhum modelo moral positivo e elevado aos olhos do mundo.

Talvez até mesmo o contrário - um modelo cruel e distante dos parâmetros da moralidade. As propostas exageradas de Ehud Barak aos árabes tampouco fizeram que o mundo chegasse à conclusão que somos nós os que têm razão.

A conclusão que aparentemente se faz necessária é que a criação do Estado de Israel foi um grande fracasso. Os fundadores do Estado não alcançaram nenhum objetivo e é preferível fechar suas portas ou abandoná-lo o mais rápido possível. Não é surpreendente que argumentos deste tipo sejam hoje proferidos, sem nenhum pudor, pela imprensa israelense laica.

Mas o sionismo tinha um objetivo adicional, não declarado abertamente por seus principais fundadores, e considerado essencial pelo sionismo religioso, participante pleno do empreendimento sionista.
A partir do momento em que retornamos para uma definição religiosa do povo judeu, tudo se esclarece. O povo de Israel é um povo cujo propósito é aproximar-se, por intermédio das leis bíblicas, da vontade divina. Deste modo, alcançaremos a felicidade máxima do ser humano, bem como sua principal finalidade em vida. Devemos levar a palavra de Deus para o mundo, difundindo-a entre os povos. A tradição ortodoxa, que serviu de elemento comum entre os judeus por milhares de anos, constitui o âmago e o significado do Judaísmo. Por isso, nos é proibida a assimilação aos demais povos e devemos preservar a singularidade de nossa religião.

Este propósito religioso só pode ser plenamente realizado em Israel, o lugar adequado para atingir as qualidades espirituais e a proximidade de Deus.
A Diáspora não é uma condição saudável, ou natural, para a vida do povo e da religião judaicos. Uma parte essencial da vida religiosa plena é a de ser um povo. Não “brasileiros de fé mosaica”, e sim um povo judeu. Um povo com um estado, um governo, uma bandeira, um hino e uma cultura religiosa próprios.

Esta é a concepção que o sionismo veio sanar e corrigir. Quanto mais progredirmos em direção a este objetivo, mais próximos estaremos de concretizar outros, tais como a segurança, a paz e a “luz para as nações”. A Torá assegura que, uma vez cumpridos os preceitos bíblicos, os problemas de segurança serão resolvidos: “Se nos Meus estatutos andardes e Meus preceitos guardardes... darei paz à terra, e vos deitareis e ninguém vos amedrontará” (Levítico, 26:3). Então, também difundiremos a luz da religião judaica para todos os povos do mundo. Esta é a profecia de Isaías (2:3): “Muitos povos virão, dizendo: ‘Vinde, subamos ao monte do Eterno, à casa do Deus de Jacó! Para que ele nos instrua a respeito dos seus caminhos e assim andemos na suas veredas’. Com efeito, de Sião sairá a Lei, e de Jerusalém, a palavra do Eterno... E quebrarão as suas espadas, transformando-as em relhas, e as suas lanças, a fim de fazerem podadeiras. Uma nação não levantará a espada contra a outra, e nem se aprenderá mais a fazer guerra. Ó casa de Jacó, vinde, andemos na luz do Eterno”.

Este é o caminho da Terceira Redenção do povo judeu. No início, uma redenção material, o retorno ao modo de vida normal e natural do povo, enquanto nação. Depois dela, o retorno espiritual, quando então nos fortaleceremos com a tradição e a religião do povo. Se esta é a finalidade do sionismo, ele resultou num imenso sucesso. A mitzvá de colonização da Terra de Israel, cujo cumprimento foi impedido por tão longo tempo, voltou a ocupar seu lugar central na vida do povo. O governo autônomo judaico em Israel retornou. Centenas de milhares de judeus, observantes das normas religiosas, cumprem hoje preceitos que dependem da existência da Terra de Israel. O centro espiritual e religioso do povo foi reconstruído, depois do Holocausto, no Estado de Israel. Surgiu um movimento de retorno em massa e a porcentagem dos que voltam às raízes aumenta dia a dia. É possível ver com facilidade o grande mérito que tiveram os fundadores do Estado se fizermos uma comparação com a condição espiritual característica das comunidades judaicas da Diáspora. A maior parte dos jovens laicos perde todo interesse pelo Judaísmo, acaba se casando com não-judeus e se desliga do povo para sempre.

Em Israel, a maioria conhece a tradição e muitos voltam às raízes. Sua probabilidade de retornar ao Judaísmo original é muito maior. Já não está longe o dia em que veremos o Estado de Israel conduzindo-se de acordo com a Halachá em todas as esferas. É verdade que nem tudo é cor-de-rosa e ainda há muito para consertar, pelo que lutar. Porém, não há dúvida que um grande progresso foi alcançado com a criação do Estado. O processo está apenas em ascensão.

Por isso, certamente devemos nos alegrar e agradecer a Deus. No Yom Haatzmaut, dia da independência do Estado de Israel, devemos reconhecer a graça que tivemos o privilégio de receber. Por esta razão, nos reuniremos em nossas sinagogas, hastearemos com orgulho a bandeira de Israel e louvaremos a Deus, com alegria, pela dádiva que nos concedeu com a criação do Estado de Israel.

É verdade que os principais líderes da criação do Estado falavam abertamente sobre uma visão totalmente distinta. Contudo, temos certeza que, no seu íntimo, esta também era a sua motivação. Como já vimos, a concepção laica da criação do Estado de Israel está repleta de contradições e falta de lógica. Não há dúvida que a motivação real era o sentimento judaico profundo que a religião deixa como marca dentro de nós. Em todo judeu se revela uma qualidade única, inclusive naqueles que, exteriormente, aparentam estar destituídos de toda santidade espiritual judaica. O valor de cada judeu é muito grande aos olhos de Deus. Ainda que suas palavras pareçam uma heresia total, a motivação interior e verdadeira é o sentimento religioso, que ainda arde no seu coração. O final do processo será o retorno ao Judaísmo verdadeiro e a redenção completa do povo judeu.

Fonte: www.masuah.org

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