segunda-feira, 4 de março de 2019

O homem fabricado

As ciências são decorrentes da sabedoria humana, para o bem da própria humanidade. Elas esclarecem a realidade da terra e de tudo o que nela habita. Mas, a ciência não pode definir Deus (ou decidir se Ele existe ou não). Deus também não pode ser alcançado pela filosofia, lógica ou razão humana por ser Ele além da nossa realidade. O pensamento humano como critério da verdade universal é algo inconcebível até mesmo no pensador mais evoluído, que a define por meio de certezas humanas. O sobrenatural não pode ser verificado por meio desse instrumento. Também, o pensamento humano não pode estabelecer a Verdade imutável universal, que lhe é superior e lhe antecede.

Segundo as propostas apresentadas a Verdade já foi Deus, tornou-se a razão humana - que é resultado da evolução do intelecto,  depois o próprio homem, agora já não há verdade nenhuma ou é o conjunto de todas as nossas verdades idealizadas. Isto porque a verdade real nossa que se impõe é a morte. E a ela repudiamos. Por isso se vive tanto a ficção, a ilusão, o imaginário, a fantasia,  o utópico, o virtual, a fábula, a quimera, o fantástico, o artificial, o aparente, o enganoso, o alegórico, a metáfora... em detrimento da realidade que nos faz sofrer. Assim também, em auto defesa, o homem tenta desconfigurar Deus, céu e inferno, a outra dimensão e se limita a um corpo que deixará de existir para sempre, em sua concepção. Isso para que não viva na sombra do perigo do porvir, na continuação da vida em virtude do sentimento de culpa que o invade.

No livre arbítrio do pensamento estão a sua glória e a sua tragédia, sua sublimação ou seu fracasso. O homem procura sempre usar a sua liberdade, isto é, a autonomia  lhe concedida no pensamento para insistir na independência do seu criador, numa busca por alcançar a individualidade plena e a verdade à partir de si. Foge da ideia de morte e do criador dela. E constrói, desse modo, caminhos, pela razão e pela lógica, para anular algo que não se concebe pelo pensamento: a fé, gravando-a como mera superstição adquirida dos primeiros nossos ancestrais (embora realmente seja a fé, muitas da vezes, contaminada por superstições e crendices).

Porém, a fé pura, genuína não está sujeita ao seu julgamento, por que o seu atributo principal - mas restrito, o pensamento não pode explicá-la, embora todo entendimento e aceitação de algo seja um ato de fé. Sem esta não existe certezas. A Verdade antecede a fé, pois não poderia ser constituída por ela. A verdade é a fonte que a gera. Antes, a fé a reconhece como soberana. As ciências e a filosofia decifram os enigmas, mas só a fé decifra o enigma central do qual resultam todos os outros. A fé é o encontro do espírito humano com a Verdade suprema.


A Eternidade é anterior, maior e mais poderosa que a vida humana, como também a Onisciência que o pensamento humano e a Verdade que as suas verdades. A Vida é sombra da eternidade, o pensamento é sombra da Onisciência, assim como as verdades o são da Verdade universal e transcendente. O homem pode usar essa sua liberdade para retornar à sua origem, à essência de sua existência, ou negá-la e se aventurar por outros territórios onde tente ser supremo, nessa sua sede de preenchimento interior que a falta de Deus lhe proporciona.

Deus está acima da matéria/tempo/espaço e da nossa capacidade cognitiva/inteligência/lógica. Deus não pode ser definido pelo curto alcance da compreensão mental, mas tão somente pela fé, fenômeno que os "intelectuais" desdenham, mas que tem características evidentes por meio da intuição original, observação natural, das experiências espirituais e das revelações  dos escritos sacros. Elementos esses que consubstanciam a profissão de fé, tanto quanto as experiências empíricas alicerçam as certezas dos cientistas e a reflexão embasam as dos filósofos. Os valores da fé são chamados pelos céticos de superstições, no entanto são só a verdade real, indelével, se impondo no universo material. Não me refiro a fé que é herdada, religiosa, mas à que é decorrente de epifania (compreensão da essência das coisas, inspiração), espécie de insight completo e profundo.

O homem, em sentido geral, perdeu a sua identidade pessoal - anteriormente construída no seu ambiente familiar, religioso e local, com ênfase na pessoa e passou a ser condicionado pela cultura transnacional notadamente da europeia e norte americana, seguindo os ditames do mercado e da publicidade antitradicionalista, adotando aparência e mentalidade uniformizadas, abolindo narrativas tradicionais importantes, a exemplo da que legitimava a autoridade dos pais e mestres e praticamente inviabilizando o código moral, essencial instrumento social.  Passou a absorver uma identidade social, isto é uma construção de fora para dentro. Artificial e materialista em busca somente da "felicidade" que o prazer - nas coisas e no sexo, lhe concede. Aderindo a tudo que, social e culturalmente, se resume a uma visão mercantilista e superficial do mundo. Reconhecendo-se ao final como algo sem um sentido sublime e que apenas existe muito temporariamente no tempo. Fatalidade da pobre e pretensiosa sabedoria humana.

Alberto Magalhães, autor.

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Os tempos do homem


As revoluções culturais procuraram desmontar a ideia predominante da divindade a governar o universo. Começavam assim as eras que trouxeram a prevalência das ciências, da política, do conhecimento e do progresso tecnológico. O homem no centro do mundo. Deus ausente, distante. Ou morto como queria Nietzsche. Chegamos ao tempo da pós-modernidade que, segundo Georges Benko, “valoriza o relativismo e a pluralidade cultural, cuja propensão é se deixar dominar pela imaginação das mídias eletrônicas e das telecomunicações; falência das metanarrativas emancipadoras como liberdade, igualdade e fraternidade; mudanças dos sistemas produtivos e crise do trabalho, eclipse da historicidade, e onipresença da cultura narcisista de massa. Predomínio do instantâneo, da perda de fronteiras, do efêmero, do fragmentário, do descontínuo. Mudam-se valores para o novo, o transitório, o efêmero, o fugidio, o fugaz, onde tudo é descartável, criando um mundo caótico. A publicidade manipula desejos, promove o individualismo, a sedução, cria novas imagens e signos....”

Em verdade, num resumo, essas novas ordens falharam com relação ao ser humano moral, aumentando a iniquidade no planeta. As ciências humanas ofereceram novas opções em superação ao “ópio espiritual” que existia há milênios nas sociedades. Uma nova proposta de sublimação para a “redenção” do homem angustiado. Houve assim o esvaziamento da transcendência e da ética quando se instituiu a negação de DEUS. O homem agora rejeita a profundidade de si mesmo, que o fazia buscar a sua própria essência e a origem do mundo. Emancipou-se diante das narrativas históricas e divaga por teorias mirabolantes e experiências superficiais, ficando perdido entre tantos conhecimentos inócuos e a saudade do velho homem. Enquanto ele mais exalta a si, mais se esvai de sentido e se decepciona consigo mesmo. Quanto mais conhecimento tem, mais percebe a suas limitações, sua finitude e sua insignificância em si mesmo. Esse homem que agora procura um deus tecnológico para reger o mundo, capaz de lhe fornecer segurança contra os fenômenos naturais, proteção contra as pragas da lavoura, defesa contra as doenças e uma vida longa em verdade constituiu a si mesmo um deus criador.

E não conseguiu mudar nada ao seu redor. Ao contrário, a degradação global e a desagregação social aumentaram, as mazelas mudaram de nome, de locais e de grupos. A tecnologia nunca o satisfará plenamente, pois ela não é a sua pessoa, ela é um ser separado, fragmentado e dependente do seu criador. Ela não é e nem o faz onipotente, onisciente e onipresente, como o deus que ele queria ser ou fabricar. Para o homem, o início e o fim em si mesmo é algo frustrante. As suas limitações, isto é, a sua capacidade de interagir com os mistérios sem respostas e os fenômenos, ainda que com toda a sua tecnologia, é frustrante. O indivíduo é insignificante perante o território espacial, o tempo e a história. A sublimação que o homem procura não está nele mesmo. Toda construção precisa de uma base permanente, nunca transitória como é a pessoa humana.   Todos os projetos, que antes serviam para a realização espiritual, ética, moral, social deram lugar ao interesse pelo sucesso estritamente pessoal. Assim, o mundo não mudou para melhor. O vazio existencial não pode ser preenchido com as exteriores conquistas humanas.

Alberto Magalhães, autor.